quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

"AS RELIGIÕES ESTÃO MAIS E MAIS ENVOLVIDOS NA QUESTÃO POLÍTICA DO BRASIL"


“A participação dos evangélicos na vida política desprivatiza as igrejas”. Entrevista especial com Oneide Bobsin








































Na contramão de analistas que veem o crescente envolvimento de lideranças evangélicas com a política como algo negativo, sociólogo afirma que a politização dos evangélicos “faz a democracia brasileira avançar nos marcos de uma república”.
Para Bobsin, o Brasil tem uma democracia moderna, e que não terá sua laicidade afetada pela participação na política de pessoas declaradamente religiosas. Para o professor, o estado atual da democracia brasileira garante aos crentes e à suas lideranças o direito de manifestação, mas impede que possa haver um governo em nome de um credo.
Um assunto muito discutido atualmente é a influencia dos pastores evangélicos no processo eleitoral, como fonte de influência sobre as pessoas sob sua tutela religiosa. Ele relativizou esse poder ressaltando que o processo de politização tornará “os fiéis mais cidadãos do que ovelhas”.
Citando o líder comunista italiano Antonio Gramsci (1891-1937) ele afirmou que, no âmbito da religião e política, “as camadas empobrecidas são mais pragmáticas” quando está em jogo a sua sobrevivência.
O sociólogo observou que os programas sociais do governo tem maior poder de influência sobre as camadas mais pobres da sociedade do que os temas relacionados com o âmbito religioso: “Suspeito que, entre as camadas pobres, os programas sociais do governo federal têm um peso muito maior do que esses temas [da religião] ou outros ligados à corrupção”, afirmou.
Ainda sobre a influência religiosa no processo eleitoral, afirmou: “Como pesquisador e observador das igrejas e religiões, tenho percebido uma crescente autonomia dos fiéis em relação às suas lideranças religiosas e pastorais”. Ele concluiu dizendo que “cada vez mais as ovelhas não escutam a voz dos seus pastores quando se trata das questões públicas”.
"A participação dos evangélicos na vida política desprivatiza as igrejas. A religião passa a ocupar um espaço público. Isso faz avançar a democracia nos marcos de uma república, politizando a religião", pondera o reitor das Faculdades EST.
2012 é ano de eleições e cada vez mais se debate sobre o peso do chamado “voto religioso”. Com o aumento de políticos ligados a crenças religiosas, em sua maioria pastores de igrejas evangélicas, há um visível interesse de aproximação de líderes de diversos partidos que buscam apoio eleitoral.
Afinal, o púlpito das igrejas acaba por se tornar um palanque ideal, com público cativo e garantido. E é sobre a relação entre política e religião no Brasil que a IHU On-Line entrevistou por e-mail o professor de Ciências da Religião e reitor das Faculdades EST, Oneide Bobsin.
Para ele, “há novos atores religiosos na política brasileira, que são os evangélicos. Apesar de sua fragmentação institucional, existe a criação de um ‘sentimento de ser evangélico’ que está sendo disputado pelos políticos”.
Já sobre a autonomia dos fiéis, Oneide metaforiza: “cada vez mais as ovelhas não escutam a voz dos seus pastores quando se trata das questões públicas”. Ou ainda: “A ideia de que irmão vota em irmão perdeu força”. E continua: “o mundo moderno libertou o Estado do domínio da religião. Se o Brasil não fosse uma democracia moderna republicana, temeria a influência da religião.
Como criamos mecanismos democráticos que asseguram a liberdade individual e coletiva, as pessoas crentes e suas lideranças têm todo o direito de se manifestar, mas jamais governar em nome de um credo. As organizações religiosas não podem gerir o Estado e os governos. Esse é um dos limites, além dos outros que brotam da ética de religiões e igrejas: a dignidade humana não pode ser negociada. Ela não é uma conquista. É inerente à vida. No caso do cristianismo, é uma dádiva inegociável”.
Oneide Bobsin é professor de Ciências da Religião e reitor da Faculdades EST. Possui graduação em Teologia pela EST-São Leopoldo, mestrado em Ciências da Religião e doutorado em Ciências Sociais/Sociologia da Religião pela PUC-SP. Tem realizado pesquisa e estudos sobre a interface das diversas manifestações do protestantismo com outros fenômenos religiosos brasileiros e globais. 

Veja a entrevista completa a seguir: 

IHU On-Line – Como o senhor vê a relação entre política e religião no Brasil hoje?


Oneide Bobsin – É uma pergunta muito ampla. Mas podemos começar pelo pedido de desculpas do Secretário Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, à Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional, que reúne em torno de 80 deputados. Gilberto Carvalho havia afirmado no Fórum Social Temático que o PT precisava disputar votos dos evangélicos – pentecostais e neopentecostais – da emergente classe C. Tal afirmação encheu de indignação lideranças da Frente Parlamentar Evangélica em Brasília. Seu pedido de desculpas no Congresso trouxe muitas perguntas para o meio político. Entre elas, destacam-se os temas relacionados ao aborto e à homofobia. Contudo, no caso da descriminalização do aborto e a criminalização da homofobia não faltam políticos que veem o governo no seu viés petista tolhido pelas igrejas evangélicas, em geral, e pela Igreja Católica. Nos temas ético-morais as igrejas pentecostais e neopentecostais apresentam afinidades com posicionamentos da Igreja romana. Ressalva-se, no entanto, que a Igreja Universal do Reino de Deus é acusada por outras lideranças evangélicas midiáticas de silenciar diante do governo federal, já que há bom tempo Edir Macedo, seu líder, apoia os governantes petistas. De fato, há novos atores religiosos na política brasileira, que são os evangélicos. Apesar de sua fragmentação institucional, existe a criação de um “sentimento de ser evangélico” que está sendo disputado pelos políticos.

A religião ainda exerce alguma influência sobre os fiéis na escolha de candidatos? Qual tem sido o peso religioso nas últimas eleições? 


Se, nos temas ético-morais, as sintonias entre igrejas são maiores, quando se trata dos programas sociais do governo liderado pelo PT, então não vemos a mesma reação. Suspeito que entre as camadas pobres os programas sociais do governo federal têm um peso muito maior do que esses temas ou outros ligados à corrupção. Como disse um pentecostal que ocupou uma fazenda: a minha igreja me proíbe, mas a necessidade é maior do que a proibição. Gramsci, líder comunista italiano, já havia descoberto que as camadas empobrecidas são mais pragmáticas quando se trata da sobrevivência no âmbito da relação entre religião e política. Suspeito que o avanço da democracia permitiu aos evangélico-pentecostais e neopentecostais a participação na vida política. Diferentes foram as pastorais sociais da Igreja Católica e de outras igrejas protestantes que, nos anos 1980, forjaram a democracia. Tal avanço foi permitindo a participação de amplos segmentos evangélicos na vida política. Este universo evangélico foi tanto mais influenciado que influenciou a política. Abstraindo os pontos ético-morais, que refletem uma postura da sociedade, a bancada evangélica vota com o governo; governo este que trouxe avanços significativos na área social e na política externa, mas não conseguiu radicalizar as reformas agrária, política, tributária e outras. Não sei como reagiriam as bancadas religiosas no Congresso diante de uma radicalização das reformas. Certamente não fechariam em bloco como o fazem hoje quando se trata de temas ético-morais. De qualquer forma, a participação dos evangélicos na vida política desprivatiza as igrejas. A religião passa a ocupar um espaço público. Isso faz avançar a democracia nos marcos de uma república, politizando a religião. 

O senhor afirma que hoje há uma crescente autonomia dos fiéis em relação aos seus pastores. A que atribui isso? 

Como pesquisador e observador das igrejas e religiões tenho percebido uma crescente autonomia dos fiéis em relação às suas liderança religiosas e pastorais. Vamos usar uma metáfora. Cada vez mais as ovelhas não escutam a voz dos seus pastores quando se trata das questões públicas. O processo democrático, embora ainda limitado, oportuniza o discernimento. Os sucessivos governos, processos eleitorais e o envolvimento de parlamentares evangélicos com a corrupção permitem aos fiéis desconfiarem de certas propostas. E quando se tem como referência um governo com políticas públicas que possibilitam um mínimo de distribuição de renda, a eficácia da escolha passa do suposto líder carismático para a política em grande parte. 
Como o senhor interpreta a aproximação de alguns candidatos com as igrejas e pastores? 

Também candidatos procuram lideranças e instituições religiosas em busca de apoio eleitoral. Além disso, lideranças e igrejas lançam candidatos de seu meio. Vejo como um processo normal na busca de apoio do eleitor. Quem mais se compromete nesse processo e corre mais risco é a liderança pastoral quando fecha com algum candidato. Pelas razões acima, suspeito que as aproximações sejam cada vez mais cheias de risco. Consequentemente os fiéis tornam-se mais cidadãos do que ovelhas. Os católicos e evangélicos, bem como outras igrejas ou organizações religiosas, são cada vez mais pluralistas em termos políticos e religiosos, impedindo compromissos homogêneos com um partido ou coligação. Por exemplo, na última eleição presidencial lideranças da Assembleia de Deus se dividiram entre Dilma e Serra. A fragmentação das igrejas em tendências internas e a disputa por almas impedem uma decisão de conjunto no campo eleitoral. Numa das últimas eleições uma poderosa organização religiosa neopentecostal de Porto Alegre não conseguiu transformar o vereador em deputado estadual. Nem sempre o rebanho ouve a voz de seu pastor. Como disse um candidato, é preciso buscar voto fora dos irmãos. A ideia de que irmão vota em irmão perdeu força. 

Como o senhor interpreta posturas de pastores como Silas Malafaia, que tratam de política em seus discursos religiosos? 


Precisamos distinguir aspectos diferentes nessa questão. Um líder evangélico ou de outra organização religiosa que instrumentaliza politicamente o discurso religioso, pode estar buscando algo mais do que influenciar seu rebanho para um determinado partido ou coligação. Nunca sabemos que compromissos foram assumidos fora do ar, já que se faz uma má política de troca de favores em nosso país, onde a concessão dos meios de comunicação passa pelo âmbito do Estado. Se os compromissos são aqueles que foram assumidos no ar, a instrumentalização é menor. Há uma certa transparência. Problemática se torna a questão quando há sujeição do religioso ao jogo eleitoral. Nesse caso, a reserva crítica da religião subsume num compromisso imediato. Hugo Assmann acertou ao dizer, há duas décadas, que igrejas estavam celebrando um forte compromisso com o “mundo”. Em outras palavras, a religião é instrumentalizada midiática e eleitoralmente, perdendo, dessa forma, a sua força escatológica, ou seja, a de anunciar uma realidade diferente da que está aí. Zygmunt Bauman fala da perda da condição escatológica por parte da religião. A experiência do êxtase perde a dimensão da transcendência; é um êxtase imanente. 

Como a política deve ser abordada pelas religiões e movimentos religiosos? Qual o limite dessa discussão?
Como diz um professor de Teologia aqui da EST, é preciso distinguir, mas não separar. Refiro-me à política e à religião. Nessa perspectiva, precisamos evitar dois polos que submetem a política à religião ou a religião à política. O mundo moderno libertou o Estado do domínio da religião. Se o Brasil não fosse uma democracia moderna republicana, temeria a influência da religião. Como criamos mecanismos democráticos que asseguram a liberdade individual e coletiva, as pessoas crentes e suas lideranças têm todo o direito de se manifestar, mas jamais governar em nome de um credo. As organizações religiosas não podem gerir o Estado e os governos. Esse é um dos limites, além dos outros que brotam da ética de religiões e igrejas: a dignidade humana não pode ser negociada. Ela não é uma conquista. É inerente à vida. No caso do cristianismo, é uma dádiva inegociável. Temo que em muitos compromissos políticos de lideranças religiosas esses limites estão sendo diluídos em nome da busca de uma suposta hegemonia religiosa de sua organização ou por interesses práticos de ocupação de cargos em estruturas governamentais.



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***FRANCIS DE MELLO*** 

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